Para contextualizar o passeio que fizemos em São Miguel das Missões, cabe destacar que existiram 30 missões jesuíticas na América, também conhecidas como Reduções (que reuniam os índios guaranis em um modelo único de convivência). Desses povoados restaram apenas ruínas, que se encontram nos atuais territórios do Brasil, da Argentina e do Paraguai. No Brasil, foram Sete Missões, conhecidas como os “Sete Povos das Missões”, situadas no Rio Grande do Sul, que, na época, fazia parte dos domínios da Espanha, conforme o Tratado de Tordesilhas. Foram elas: Redução de São Francisco de Borja; de São Nicolau; de São Miguel Arcanjo; de São Lourenço Mártir; de São João Batista; de São Luiz Gonzaga; e de Santo Ângelo Custódio.

As Missões eram iniciativas religiosas comandadas pelos jesuítas, que desembarcaram no Brasil com o objetivo de levar o cristianismo para os índios. Tais Reduções eram complexos que reuniam edificações, além da igreja, como moradias, colégio e oficinas, nas quais os índios aprendiam atividades, como escultura, pintura, música e tecelagem. A construção da Igreja de São Miguel Arcanjo (hoje parte das Ruínas de São Miguel) foi edificada no século XVIII, entre 1735 e 1745, e o projeto de sua construção foi atribuído ao arquiteto jesuíta italiano Gian Battista Primoli, provavelmente inspirado na Igreja de Gesù (Roma), principal templo jesuítico romano.

Contudo, a Missão de São Miguel Arcanjo, na verdade, foi fundada em território espanhol muito antes, em 1632, mas, a exemplo dos povoados vizinhos, precisou ser abandonada devido aos frequentes ataques dos bandeirantes paulistas. Como se sabe, o Bandeirismo ou Bandeirantismo foi responsável pela morte de cerca de 600 mil guaranis entre 1629 e 1641, quando os buscavam como escravos para as lavouras paulistas. A Missão só foi retomada em 1687, com a volta dos jesuítas à região, e prosperou ali por quase um século. Porém, Portugal e Espanha resolveram dividir novamente a América do Sul através do Tratado de Madri, assinado em 1750. Era o fim das Missões. Esse acordo, que reconhecia o avanço português para além das terras anteriormente determinadas pelo Tratado de Tordesilhas, também obrigava que a Colônia do Sacramento, cidade que hoje fica no Uruguai, mas que foi fundada e era controlada por portugueses, fosse trocada pelo território que hoje é o Rio Grande do Sul, na época parte dos domínios espanhóis.

A Colônia do Sacramento tinha posição estratégica na bacia do Prata, funcionando como porto e local de grande contrabando, motivo de interesse dos espanhóis. Já os portugueses queriam, além de um território contínuo, que estava colado aos seus outros domínios, os rebanhos de gado que viviam nas terras missioneiras, os maiores do continente. Foi assim que os índios, que eram livres perante o governo espanhol, receberam a ordem de sair do território que agora era português.

A recusa, óbvio, levou à guerra. Entre 1750 e 1756, foram travadas as Guerras Guaraníticas. Nos anos iniciais de conflito, os índios guaranis conseguiram algumas vitórias importantes, até que Portugal e Espanha resolveram unir exércitos para acabar com o confronto e lutaram juntas para tomar as terras que hoje fazem parte do Rio Grande do Sul. As tropas espanholas marcharam de Montevidéu, enquanto os soldados portugueses partiram de São Paulo, rota tradicional dos bandeirantes, que há décadas invadiam missões jesuíticas na tentativa de escravizar índios e capturar gado. Na batalha final (de Caiboaté), em que morreu Sepé Tiaraju – líder dos guaranis e que virou um mito durante e após os conflitos – também perderam a vida muitos outros índios.

Uma música que, quando ouvimos, nos remete fortemente à região das Missões é “Origens”, do grupo de música nativista Os Fagundes. Segue trecho da canção:

“Campeando um rastro de glória

Venho sovado de pealo

Erguendo a poeira da história

Nas patas do meu cavalo

O índio que vive em mim

Bate um tambor no meu peito.”

Que história de força e de bravura dos índios guaranis envolve as Missões.

Além da nossa experiência nas Ruínas de São Miguel Arcanjo e no Tenondé Park Hotel, que conto no texto São Miguel das Missões: Visitando as famosas ruínas de São Miguel Arcanjo no Caminho Das Origens, no nosso último dia em São Miguel das Missões, fomos conhecer outros pontos turísticos da cidade. Visitamos a Fonte Missioneira, uma das prováveis sete fontes que faziam parte do sistema de abastecimento da Redução de São Miguel e que fica a uma curta distância das Ruínas, mas que foi descoberta em 1982 e restaurada em 1983. A Fonte Missioneira foi a única encontrada arqueologicamente até o momento. A água colhida nessa fonte servia para o uso na Redução, mas há levantamentos arqueológicos recentes que mostram que, abaixo dela, há uma série de piscinas que possivelmente serviriam de local para lazer e banho dos indígenas.

Missões jesuíticas: Fonte Missioneira
Fonte Missioneira

Fomos ao Ponto da Memória Missioneira, que se trata de um pequeno museu particular, concebido e mantido pelo trabalho de um morador local, Valter Braga. O Ponto da Memória Missioneira reúne inúmeros objetos que fazem referência à história e à cultura da região missioneira e de seus habitantes, incluindo elementos arquitetônicos e construtivos. Ao mesmo tempo, seu acervo abrange artefatos e instrumentos utilizados por grupos de imigrantes que ocuparam o atual território de São Miguel das Missões entre os séculos XIX e XX, após o período de crise ocorrido com a expulsão dos jesuítas da América Portuguesa e com a Guerra Guaranítica. Guarda também bens representativos da cultura indígena, particularmente da comunidade Mbyá-Guarani.

Missões jesuíticas: Cruz Missioneira localizada no Ponto da Memória Missioneira: a Cruz Missioneira é um marco cultural da região das Missões. Era usada pelos índios como um amuleto do bem contra o mal. Os dois braços simbolizam a fé redobrada
Cruz Missioneira localizada no Ponto da Memória Missioneira: a Cruz Missioneira é um marco cultural da região das Missões. Era usada pelos índios como um amuleto do bem contra o mal. Os dois braços simbolizam a fé redobrada

Visitamos a Praça Guarani (onde está localizada a estátua em homenagem a São Miguel Arcanjo em trajes de guerreiro indígena), a Igreja de São Miguel Arcanjo (que já possui uma construção em estilo moderno) e o Monumento a Cenair Maicá (que foi um cantor e instrumentista brasileiro de música nativista, conhecido por cantar sobre a natureza e sobre os índios).

Missões jesuíticas: Estátua em homenagem a São Miguel Arcanjo na Praça Guarani, Igreja de São Miguel Arcanjo
e Monumento ao cantor nativista Cenair Maicá
Estátua em homenagem a São Miguel Arcanjo na Praça Guarani, Igreja de São Miguel Arcanjo
e Monumento ao cantor nativista Cenair Maicá

Por fim, e não menos importante, fomos conhecer “Jaz”, um Monumento de Anti-homenagem ao Bandeirante. Trata-se de uma instalação permanente que, no ano de 2007, foi ganhadora do Edital Arte e Patrimônio do Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Como o título da obra sugere, é semelhante a um jazigo, onde jaz um bandeirante, enterrado em uma sala subterrânea, que se acessa por meio de uma escadaria subterrânea.

Missões jesuíticas: Obra de arte "Jaz" do artista plástico João Loureiro: Antimonumento ao Bandeirante
Obra de arte “Jaz” do artista plástico João Loureiro: Antimonumento ao Bandeirante

O Antimonumento ao Bandeirante fica escondido atrás de algumas árvores em frente ao Cemitério Municipal de São Miguel. Para acessá-lo de carro, vindo do centro de São Miguel, é necessário entrar em uma rua à esquerda, antes de passar pelo Cemitério. A obra do artista plástico João Loureiro é cheia de significados e gera reflexões. Ela “enterra” a figura do bandeirante que teve um papel opressor para os povos indígenas. Não vimos indicações turísticas precisas de como chegar até o local. Descobri sua existência pelo Google Maps na verdade, e, ainda assim, não foi fácil encontrá-lo. Fica em um terreno vazio de onde é possível avistar, de maneira privilegiada, as Ruínas de São Miguel Arcanjo. Para a história de São Miguel das Missões, no entanto, os bandeirantes são personagens secundários, pouco citados. Por se tratar de uma época da História entre os séculos XVII e XVIII, não há registros precisos sobre sua provável passagem pela região, contudo se sabe que as reduções jesuíticas ali se fixaram em consequência do extermínio de aldeamentos por bandeiras de preação (apresamento), cujo objetivo era a captura dos índios para trabalho escravo. Para os bandeirantes paulistas, atacar as reduções jesuíticas era a via mais fácil para o enriquecimento. Diante dos ataques, os jesuítas começaram a recuar para o interior e exigiram armas ao governo espanhol.

O Pórtico de São Miguel das Missões também é um diferencial do município, pois tem uma forte conotação histórica. Vale a parada para fotos antes de dar um “até logo” à cidade.

Missões jesuíticas: Pórtico da cidade de São Miguel das Missões
Pórtico da cidade de São Miguel das Missões

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